Poiesis Urbana

23.1.05

Se os Tubarões Fossem Homens

“Se os tubarões fossem homens, perguntou ao senhor K. a filha de sua senhoria, eles seriam mais amáveis com os peixinhos?” “Certamente, disse ele. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e tomariam toda espécie de medidas sanitárias. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, lhe fariam imediatamente um curativo, para que não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres tem melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar. O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam voltar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um deles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, iriam proclamar, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de argaço e receberia um título de herói. Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardim que se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que seus acordes todos os peixinhos, como orquestra na frente, sonhando, embalados, nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões. Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os maiores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles teriam com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc. Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.”


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Recuerdo de María A.

Fue un día del azul septiembre cuando
bajo la sombra de un ciruelo joven,
tuve a mi pálido amor entre los brazos
como se tiene a un sueño calmo y dulce.
Y en el hermoso cielo de verano,
sobre nosotros, contemplé una nube.
Era una nube altísima, muy blanca.
Cuando volví a mirarla, ya no estaba.

Pasaron, desde entonces, muchas lunas
navegando despacio por el cielo.
A los ciruelos les llegó la tala.
Me preguntas: "¿Qué fué de aquel amor?"
Debo decirte que ya no lo recuerdo,
y sin embargo, entiendo lo que dices.
Pero ya no me acuerdo de su cara
y sólo sé que un día, la besé.

Y hasta el beso lo habría ya olvidado
de no haber sido por aquella nube.
No la he olvidado. No la olvidaré,
era muy blanca y alta y descendía.

Acaso aún florezcan los ciruelos
y mi amor tenga ahora siete hijos.
Pero la nube sólo floreció un instante:
cuando volví a mirar, ya se había hecho viento.





Bertold Brecht nasceu em 1859, na Baviera, Alemanha. Participou da Primeira Guerra como enfermeiro e, ao seu final, aderiu à causa pacifista. Foi perseguido por Hitler e pelo regime nazista, exilou-se por longo período. Mais conhecido pelas peças de teatro, sua poesia é marcadamente expressionista. A obra de Brecht flertou com a esquerda e o comunismo.

Antologia Poética do Autor.

15.1.05

No início do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no início do caminho
tinha uma pedra
no início do caminho tinha uma pedra.
Um Recife.



quadro por Camões

14.1.05

Retrato da Angústia em Brasília

a superquadra nada mais é
do que a solidão dividida em blocos

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senhores turistas,
eu gostaria
de frisar
mais uma vez
que nestes blocos
de apartamentos
moram inclusive
pessoas normais

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falta um bloco
em minha quadra
como falta
um dente
em minha boca

meu bloco é redondo
como um cubo
azul como uma laranja

bloco k
k pra nós, k de poesia





“Saí do mato para morar na maquete.” Nicolas Behr (Nikolaus von Behr) nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, em 1958. Mudou-se para a capital aos 10 anos e sonhava ser geólogo. Mora em Brasília desde 74. Grande parte sua poesia explora sua ambígua relação de amor e estranhamento com essa “cidade inventada” — “inventa outra!”.


12.1.05

GUI CANTA PARA LOU

Louzinha querida queria morrer num dia em que tivesses me amado

Queria ser bonito para que me amasses

Queria ser forte para que me amasses

Queria ser jovem jovem para que me amasses

Queria que a guerra começasse outra vez para que me amasses

Queria te agarrar para que me amasses

Queria te dar palmadas no traseiro para que me amasses

Queria te pisar para que me amasses

Queria que ficássemos sós num quarto de hotel em Grasse para
que me amasses

Queria que fosses minha irmã para eu te amar incestuosamente

Queria que fosses minha prima que nos amássemos desde criança

Queria que fosses o meu cavalo para eu te montar muito muito tempo

Queria que fosses meu coração para eu te sentir sempre em mim

Queria que fosses o paraíso ou o inferno de acordo com o lugar
onde eu vá

Queria que fosses um menino e eu o teu preceptor

Queria que fosses a noite para nos amarmos no escuro

Queria que fosses a minha vida para eu existir só por ti

Queria que fosses um obus boche para me matar de súbito amor





Guillaume Apollinaire (1880 - 1918) nasceu em Roma, Itália. Mas foi em Paris, França, onde se tornou célebre poeta, crítico de arte, literatura e agitador cultural.

10.1.05

a Rafinha

O teu olhar
Manhã de sol
Enche minh’alma
de luz.
Cristal, seduz
Minha vontade
Dom que reduz
num ato
Essa mui vaga
Felicidade.

4.1.05

Antes e depois

Nova abertura:

Essa poesia abstrata é de concreto, cheira a asfalto e tem cor de mentira. Se o preço da gasolina forra o piso da felicidade, meus rascunhos perdem sentido. E isso tudo é maravilhoso.


Abertura anterior:

Poesia — beleza e infinito — aqui perseguida em versos e frases, paráfrase de literatura. Moraes, Meireles, Sábato, Drummond, Cabral, Borges, Márques, Pessoa tinham minhas veias e ganham, pelos meus dedos, o fluxo do html.

Flashes d’Alameda

Pudor sob raros panos
Mão ajeita esparadrapo no pijama
Mãe segura filho pelo braço
Filha ergue soro da mãe
Passos de cágado
Médico passeia com cérebro no vidro
Como pão, no saco de pão
Seu cérebro não tem direito a timidez
A fome senta à sobra no chão
Junto dela o cansaço e seus filhos
Todos passam, alguns olham, outros riem
Mas ninguém faz nada
Ao gato que caminha sobre o telhado
do Hospital
Ele mia indiferente
Ao turbilhão de almas
clamando justiça
Nem tudo é indiferença
Algo de impotência no ar
O corpo cruza num esquife de aço
Opacidade transparente à imaginação
Vejo pontas de sofrimento e ternura
Enclausuradas e higienizadas
Já o chão tem suas marcas
de sangue
Um povo sem força ou escolha
De marcar alhures
No corredor, o cão não late
Para o gato, não late
Para as pessoas
Parece que nasceu para isso