Poiesis Urbana

27.7.05

à minha esposa
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Amor. Como explicar este sentimento controverso? Como resumir o montante de memórias, sonhos, desejos, sensações vividas por dois? O amor é algo que foge às raias de uma definição reta, cientifica, devido à infinitude de possibilidades que representa. Só pode ser viso uno — percebido concreto — no casal de namorados; no homem e na mulher que renunciam o tempo-relógio para degustar o tempo-pulsação.

Quando o perfume invade minhas tardes, a boca arrasta minha pele, a pele desliza entre os dedos. Quando o castanho escuro dos cabelos clareiam a vista, afagam o rosto, avivam nossa história. Quando o corpo desperta no meu a vontade de mergulhar na forma das coxas, dos seios. De entender a parte e o todo.

Com base na experiência que reservei a uma única mulher, ser poesia, construo a rede de significados para entender o amor. Palavra que, antes de conhecê-la, era reservatório de vazio e percepções alheias.

11.7.05

Digitar ou escrever?

por Bruno Parodi do No mínimo

Não foi preciso assistir a nenhum programa do Discovery Channel para constatar que se eu estivesse fora do mundo por alguns anos e caísse de pára-quedas, agora, no meio da internet, estaria frito para entender o que os outros querem dizer. Não me preocupo com os programas usados, e sim com esta bendita língua nova. O que houve por aqui enquanto estive fora? Estica, puxa, troca, omite, inverte e eis que temos o “internetês”, um dialeto novo, dinâmico e em constante mutação. Abreviações, corruptelas, neologismos e erros crassos estão disponíveis em diversos pontos de congestão ao longo do percurso.

Mas parece que aqui, na pomposa grande rede, é como aí fora, onde tudo é uma questão de “quem”, “quando” e “como”. De acordo com essas variáveis, uma pessoa vai estabelecer um tipo de linguagem para se expressar.

Até que tínhamos um padrão na internet. Na comunicação assíncrona (informações trocadas não acontecem ao mesmo tempo) havia formalidade, capricho com o escrever. Parava-se, refletia-se sobre o que seria enviado. Quando o papo era síncrono (em tempo real) sempre houve pressa, e acabava-se escrevendo como se fala, usando abreviações e outros atalhos. Em suma, a linguagem assíncrona sempre foi mais completa, correta, e na síncrona nunca foi novidade encontrar descuido. Mas esse padrão tem ido para o espaço ultimamente, e a pressa homogeneizou abreviações e errinhos pelas bandas do assíncrono.

As ferramentas de comunicação estão aí para quem quiser usá-las, e cada um aproveita da forma que bem entender. É como um aparelho telefônico, cidadãos de todos os gêneros podem usá-lo, tanto gente fina quanto gente tosca, gente de todos os quilates. Tem de tudo. E, como o telefone, a internet não pode ser responsabilizada como meio; ela ainda não fala pelo usuário.

Nesse bumba-meu-boi o jovem aparece com freqüência na fila de reconhecimento de suspeitos por alguns crimes contra a língua. No afã de diferenciar-se dos mais velhos, ele não só usa gírias próprias como também apela para a utilização de formas peculiares da escrita, substituindo letras, como o “s” pelo “x” ou “o” pelo “u”, entre outros, além de alternar letras em caixa alta e baixa na mesma palavra. Assim, o que para uns seria “escrever” passa a ser “iXcReVeR” para alguns deles. Faz lembrar o memorável “Xou da Xuxa”, da TV.

O Dossiê MTV 3, pesquisa com indivíduos de 15 a 30 anos, endossa parte do comportamento desse jovem. Os resultados apontam um público com uma capacidade crescente de usar o canal de conversação adequado para cada situação. A internet permite que o jovem fale sem querer conversar e converse sem precisar falar. Opções de vias não faltam. “A tecnologia abriu espaços e comunicar-se ficou mais fácil, mais seguro, mais rápido. E, com isso, a comunicação ganhou flexibilidade e freqüência”, revela. Por outro lado, os próprios entrevistados definem o comodismo como a terceira principal característica da geração, atrás apenas da vaidade e do consumismo.

E como tudo é uma questão de ótica, o Telecine, canal a cabo da Globosat, não perdeu a chance e há alguns meses transmite a Cyber Movie, uma sessão de filmes voltada para o público online. A novidade fica por conta do canto inferior da tela. Ao invés das legendas ipsis literis, o telespectador as lê como se tivessem passado por uma sala de bate-papo. Até o visual do fundo delas é diferenciado, ambientando uma janela de um software qualquer. Resultado: uma transcrição com palavras abreviadas e, muitas vezes, descaracterizadas. Para facilitar a vida dos menos familiarizados, sua página oferece um dicionário no melhor estilo “antes e depois”. Exemplo: “novidades” vira “9dades”.

João Mesquita, diretor geral da Rede Telecine, garante que, apesar de polêmica, a idéia vem gerando retorno, aumentando em 50% a audiência do horário em relação aos 6 meses anteriores ao projeto. E sobre a má influência que as legendas trariam aos telespectadores, João compara: “O Cyber Movie atinge cerca de 20 a 40 mil pessoas. No Brasil há cerca de 7 milhões de pessoas que usam regularmente este tipo de linguagem nos seus e-mails ou em chats. Não será o Telecine que vai influir na qualidade geral do português escrito no país. Quando uma personagem da novela da Globo fala errado, e é vista por mais de 30 milhões de pessoas, terá impacto?” O bóia-fria Sassá Mutema, interpretado por Lima Duarte em “O salvador da pátria” (1989), que o diga.

Do outro lado dessa pororoca, é possível encontrar iniciativas como a de Paulo Couto, diretor geral do Fórum PCs, criador da campanha “Eu sei escrever”, cujo conteúdo definitivo será lançado em poucos dias. “O projeto é um alerta na forma de um modelo de colaboração, para que sejam introduzidos pelos responsáveis pelas áreas de discussão na internet brasileira e pela mídia em geral ferramentas de correção e “tradução” para algo legível”, conta Paulo. Os filtros de palavras proibidas, normalmente configurados apenas para impedir o uso de termos impróprios, passarão a substituir automaticamente as abreviaturas mais comuns por verbetes correspondentes. Além da ferramenta, o projeto prevê a distribuição de uma relação de palavras traduzíveis.

Teorias indicam até a disposição dos caracteres pelo teclado, baseadas nas letras mais utilizadas da língua inglesa, como um fator prejudicial à digitação da língua portuguesa. Assim, determinadas configurações de teclado não favorecem a rápida utilização de acentos e do til. Neste caso “eh” acaba sendo visto no lugar de “é”, bem como “naum” ao invés de “não”. Não justifica, mas talvez explique em parte.

Como alento, ou não, foi constatada que essa balbúrdia comunicativa atinge o mundo todo, não sendo uma realidade exclusivamente nacional. Mas o brasileiro, claro, diferenciou-se, e apresenta particularidades mórbidas, como comenta Paulo: “Participo regularmente de sites internacionais e, mesmo que existam algumas gírias mais localizadas, é perfeitamente possível compreender o inglês escrito neles. É simplesmente ridículo que eu mesmo não consiga ler algo escrito em sites brasileiros, na minha própria língua”.

Não seria justo atribuir a origem de tanto caos, mudança e pancadaria a uma única razão. O jeito do jovem, a infelicidade do mal-educado, a melancolia do ignorante, a esculhambação da pressa, a palidez dos maus exemplos, a escassez de controle, entre tantos outros aspectos, podem ser considerados como desculpas. Por outro lado, ruim na internet, pior fora dela. Gírias enfadonhas e erros sofríveis são encontrados na escrita e na fala, seja na rua, no rádio ou na TV, e não poupam ninguém.

Fala-se tanto na tal “língua viva” e dela ninguém duvida ou discorda. Como dito no artigo anterior, existe uma coerência de tudo isso com o mundo desconectado. Tudo que começa lá acaba batendo aqui; é reflexo – talvez com mais permissividade e falta de supervisão. Se o produto de anos de uso do papel e do lápis estivesse digitalizado, catalogado com histórico e com mecanismo de busca, se fosse publicado na rede ou se pudesse ser facilmente anexado a mensagens de e-mails, talvez agora não estivéssemos tão impressionados. A novidade não é de hoje. Mas, já que isso não é possível, voltemos à realidade, e vamos digitando ao invés de escrever.

7.7.05



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