Poiesis Urbana

22.9.04

Pescoço



Assim que levanta os braços,
A prender os cabelos,
Surge ele, intacto.

Percorrendo o nariz,
O delineamento
Entre os cabelos e a orelha,
Surge ele, tangível.

Perdido,
Achado,
Sob o emaranhar dos fios,
Sobre a força das costas.
Uma leve penugem cobre
Sua pele macia.

Convidativo vale
A beijos e mordidas,
Saliva e lágrimas.

12.9.04

Os Blogs, a Escrita e os Jovens

As novas gerações estão descobrindo a escrita na tela dos microcomputadores. Estão descobrindo que a escrita pode ser uma forma de liberdade. O meio eletrônico parece perfeito para a volatilidade de sonhos, desejos e experiências. Da mesma forma, condiz com essa zona ainda fluida entre o surgir e o desaparecer, a timidez e a extroversão, entre o ser conhecido e o anonimato, entre o confessar-se humilde e o orgulho de ter conquistado algumas verdades. A Internet, com suas disponibilidades de usos e ferramentas, vai aos poucos criando novas práticas interacionais. No ambiente digital, com a rápida facilidade de progressão que este proporciona, o jovem ganha logo cedo uma carta de cidadania que o mundo real tarda a lhe conferir.

A onda dos blogs — sobre a qual poucos se debruçaram para refletir — parece que veio para ficar. É nos blogs que se dá mais uma ocasião de melhor se observar as novas práticas, os novos usos e as ainda pouco estudadas características da linguagem escrita em ambiente digital. Se, como afirmam vários lingüistas, a escrita tem um lugar central na Internet, há — quem sabe? — também que se mencionar uma espécie de retorno triunfal do texto escrito como locus de atenção. O medo da escrita — com todas as sombras lançadas por gramáticos, professores e informatas desavisados — é substituído por uma sedução da escrita. Ao criar seu blog, o adolescente, sem descuidar do ambiente gráfico-visual, redescobre a mediação da palavra escrita e, mais do que isso, experimenta como essa palavra pode ser espelho e formadora de sua própria personalidade. A praticidade com que se constroem blogs e a facilidade, oferecida por diversos sites, de se ter um lugar na Web atraem os que não têm tempo a perder estudando a linguagem técnica da informática.

Ao que parece, o blog faz um recorte peculiar — mais um, entre tantos — no vasto ambiente digital. Não se pode esquecer que o micro, com todos os seus recursos, é uma multiplicidade de meios e traz implícita uma particular estética. Ao contrário dos antigos diários — com os quais os blogs costumam ser comparados —, estes últimos se apresentam mais diversos entre si, libertos da linearidade do manuscrito ou da página datilografada. Como em outros lugares do mundo digital, há uma pressão e um labor estéticos e um novo arranjo organizacional. Noutras palavras, a interface gráfica, com maiores ou menores sucessos, é um imperativo da ecologia digital. Aqui, talvez, uma nova liberdade busque desesperadamente o caminho da beleza. Certos blogs até parecem com os antigos diários — e isso é uma opção subjetiva e menos usual —, mas a diferença central entre os dois é que no diário você escreve para se ler e no blog para que os outros o leiam. A alta interatividade entre o leitor e o autor é uma marca do texto intrinsecamente ligada ao meio digital, inimaginável nos veículos impressos. Abaixo de cada post (cada mensagem postada), o blog dispõe de um link para quem quiser comentar, criticar, elogiar, etc. Os próprios comentários podem servir de mote para outros textos.

Mas, voltando aos blogs enquanto textos, também podemos percebê-los como um efervescente laboratório lingüístico-literário. E é justamente aí que se pode vislumbrar a gestação do novo. Teste, ensaio, experimento, transgressão — nomes que ecoam liberdade e criação — são outras tantas palavras para blog. Todavia, no meio dessa massa volátil, há uma fermentação — algo de inovador está acontecendo. Não por acaso, alguns blogs estão virando livros impressos e, de alguma forma, literatura, para que atinjam um outro público. Não obstante isso, seria temerário afirmar que tais livros sejam simples corolários de um blog bem-sucedido. Não seriam uma mera transposição; seriam, sim, uma metamorfose, o que implica reconhecer as características próprias ao meio impresso.

O melhor que o blog parece trazer para a prática da língua é esse híbrido de ludicidade e de personalismo, esse compromisso com a sua própria imanência. Em meio ao oceano coletivo e tantas vezes anônimo da Web, a subjetividade dos blogs aflora como ilhas em que tanto a fantasia como a mais radical verdade crescem como uma luxuriante vegetação.


Paulo Gustavo é Mestre em Teoria da Literatura e escritor.
Dimitri Acioly é poeta e estudante de jornalismo.
Ambos somos blogueiros.

9.9.04

Béslan, Rússia

Guernica de Picasso







Entendo os vampiros —
Sua sede de sangue.
O homem furtou-lhe
A imagem do espelho,
Unindo a saudade
Do deus e da Besta.
Os buracos desta
Calçada suja
Conheço de cor
Dó, cor, dor mor — tal
O que é um corpo
Dentre outros trezentos?
Dos canibais, o hálito
Perfuma o planeta,
E minha TV
Sufoca uma mãe
Que chora por isso.

6.9.04

Tapete de flor de jambo sobre a calçada, a única sujeira bonita que eu conheço.

4.9.04

Ah, mar! Ao mar! Ao amar, há mar, amar o mar, mar o amor, ô, mar, amor é o mar e o mar é amar na linha do horizonte.

As sereias amam sua sedução, os capitães amam o ouro que reluz no sangue, os marinheiros, as prostitutas do porto, eu, o amar.

Estar no mar é amar onde não dá pé, é mergulhar e não alcançar o chão. O mar é amar na linha do horizonte.


\à Rafa/

3.9.04

Mi Vida

Mi Vida Mi vida, lucerito sin vela,
Mi sangre de la herida,
No me hagas sufrir más.

Mi vida, bala perdida
Por la gran vía, charquito de arrabal.
No quiero que te vayas,
No quiero que te alejes cada día más y más.

Mi vida, lucerito sin vela (aquí no pegamos los ojos)

Mi vida, charquito d'agua turbia,
Burbuja de jabón,
Mi último refugio, mi última ilusión,
No quiero que te vayas cada día más y más.

Mi vida, lucerito sin vela,
Mi sangre de la herida,
No me hagas sufrir más.

(aquí no pegamos los ojos)
(aquí no pegamos los ojos)

Mi vida


Manu Chao

1.9.04

Enxerimentos lingüísticos

“Dizer homo sapiens é dizer homo loquens.” Malberg (1969)

Muitas vezes caímos na besteira de achar erro na boca das pessoas, como se fosse possível enquadrar o Mundo dos falantes nas regras decoradas no ginásio. A fala antecede a escrita em tempo — sincrônica e historicamente — e está mais difundida no planeta, já que nem todos os povos dominam a tecnologia da escrita. Por isso, o dito não pode ser cacoete do lido. As regras próprias da interação oral e seu elegante caos amanhã vão parir novas normas para as Bics e Montblancs.